A Revista MODAA, sempre antenada ao universo do comportamento humano, traz nesta edição uma entrevista exclusiva e mega especial com o filósofo mais famoso do Brasil, o Prof. Dr. Mario Sergio Cortella. Paranaense como a gente, abandonou a vida monástica para seguir carreira acadêmica e tornou-se doutor em Educação. Professor, já foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo e Conselheiro do Conselho Técnico Científico da Educação Básica da CAPES/MEC, tem mais de 20 livros publicados, faz o maior sucesso pela Internet e tem uma agenda lotadíssima de compromissos... O que não sabemos ainda, é como ele conseguiu abrir uns minutinhos para conversar com a gente, mas adoramos o nosso bate-papo e esperamos que ele nos dê a honra da sua presença por aqui, para nos adocicar com suas palavras tão tocantes que falam sobre Filosofia, Religião, Ciência e Educação. Nesta entrevista, pedimos que o Prof. Dr. Cortella nos falasse um pouco mais sobre as formas de relacionamentos de hoje em dia. Confira!
MODAA: Estamos numa geração que não levam os relacionamentos muito a sério, qual é a razão disso?
CORTELLA: Talvez não seja não levar tanto "à sério", mas não tão "a fundo". Nós temos hoje uma vida mais apressada, o que leva a uma superficialidade em muitos relacionamentos, isso vale para pessoas de várias gerações, não é apenas para pessoas mais jovens. Essa superficialidade nos relacionamentos, em grande medida, é facilitada por uma tecnologia que permite uma comunicação muito veloz, mas que também oferece a possibilidade de desconexão também muito veloz, e portanto, um mundo virtual que dá menos trabalho no relacionamento. Mas por outro lado tem essa desvantagem de ser mais superficial, isso é algo que pouco a pouco vem cansando muita gente. A superficialidade encanta por um tempo, mas depois ela se desmancha. E por isso, eu acho que já há sinais no horizonte, de pessoas que tem inconformidade com essa superficialidade.
MODAA: As pessoas estão se separando mais? O que mudou?
CORTELLA: Há uma possibilidade maior hoje de fazê-lo. Por outro lado não há necessariamente um incremento que seja exorbitante das separações. Nós tivemos um aumento da possibilidade das pessoas terem mais liberdade nas suas escolhas. No entanto, perto da geração e proporcionalmente à população, perto da geração que cresceu e se casou nos anos de 1970, a geração que o fez à partir desse novo século, vem se separando num número muito menor. Pessoas com mais idade vêm fazendo isso. Se você observar hoje, há muitos jovens que se casam e permanecem dentro da mesma relação. O que eu acho é que nós temos hoje, uma maior possibilidade de romper aquilo que não tenha tanta conexão de ligação e, há alguns anos isso seria considerado indevido. E as pessoas preferiam até viver uma relação frágil, muitas vezes falsa, e em alguns momentos mentirosas, do que de fato dar um passo com o esse. Por isso, eu tenho uma preocupação muito pequena em relação a isso, porque ela mais demonstra hoje a capacidade das pessoas de procurarem aquilo que de fato é adequado. Por outro lado, também é um indício daquilo que antes falávamos, isto é, relacionamentos marcados pela superficialidade, em qualquer idade que as pessoas tenham, podem ter frágil possibilidade de futuro.
MODAA: Será que as mulheres mudaram mais?
CORTELLA: A organização da vida numa sociedade patriarcal como a nossa, em que ainda o masculino tem um domínio mais forte, ela sem dúvida permitiu que mulheres se libertassem de algumas amarrações que antes não era possível. Uma cidade como Pato Branco, por exemplo, ou a minha cidade, a Londrina de quando eu era menino; uma mulher que se divorciasse seria colocada quase como a margem da sociedade. Se diria até, como a expressão utilizada na época em que não existia o divórcio, que a mulher seria desquitada. Isso tinha uma conotação negativa, era uma mulher que até outros homens não admitiam que suas esposas com ela andassem, e pouco a pouco isso perdeu essa dimensão. E hoje, já há sim uma liberdade maior de escolhas tanto para homens como para mulheres. É evidente que o movimento feminista com sua capacidade de maior autonomia gerou mais segurança pra que mulheres não se sentissem adoentadas apenas porque tinham o desejo de romper uma relação, e nem necessariamente criminosas por fazê-los. Por isso, há uma contribuição do movimento feminista nessa direção, mais não é a razão exclusiva, afinal houve um novo modo de organização também das relações, que não passem exclusivamente pelo contrato de natureza legal, por outro lado, hoje a legislação tipifica a relação estável, já como uma forma até oficializada de relação. Por isso mudou-se o modo e as mulheres, sem dúvida, tem uma contribuição nisso.
MODAA: Você é a favor do Feminismo?
CORTELLA: Claro! Entendido aí o feminismo, como sendo a reivindicação de mulheres de que não há submissão feminina ao mundo masculino, eu não tenho a menor dúvida. Qualquer exagero de hiperdimensão dentro do feminismo, cairia numa armadilha que era desacreditar as próprias reivindicações, mas o feminismo entendido no que eu vou dizer agora, como sendo: a crença que homens e mulheres são iguais, sem que haja a obrigatoriedade ou dominação de um sobre outro, é um movimento absolutamente necessário. Eu digo e retomo aqui, o feminismo não é o contrário de machismo. O machismo supõe, que homens são superiores as mulheres. O feminismo não supõe que mulheres sejam superiores aos homens, mas sim que homens e mulheres são iguais. Por isso eu não teria como não ser a favor.
MODAA: Como serão os filhos desses relacionamentos "novos", com menos superficialidade?
CORTELLA: Ainda não temos muita clareza em relação a isso, pois sabemos que isso ainda é, pra nós, muito novo. Essa superficialidade existe ainda, mas é aparentemente pareada com o dano que relações que até a trinta, quarenta anos atrás, era marcada pela hipocrisia. Isto é, tinha-se apenas um casamento por exemplo, de fachada, em que algum no casal, ou até ambos, ou de maneira geral, o masculino, mantinha relacionamentos paralelos, e isso não a levava as quebras do casamento por que se "simulava" uma relação mais sólida. Acredito que os filhos que foram criados nesse mundo de relações, foram mais hipócritas; e agora a escola, especialmente o campo da educação escolar, no ensino fundamental vai ter de lidar de maneira que se compreenda quais são os danos eventuais que se possa ter, ainda é cedo pra termos clareza sobre os efeitos.