Inovação e Tecnologia: uma ferramenta no Combate à Violência contra Mulheres
O aumento da violência contra a mulher, especialmente os casos de feminicídio, tem revelado uma crise estrutural que exige novas abordagens. Em um cenário onde políticas públicas tradicionais mostram-se insuficientes, a tecnologia surge como uma aliada estratégica no combate a esse problema social urgente. Nesta entrevista, Ivânia Ramos, consultora de negócios, analisa como soluções inovadoras — como aplicativos de denúncia, inteligência artificial e plataformas de reeducação — podem transformar não apenas o enfrentamento da violência, mas também sua prevenção. Com uma visão sistêmica, ela defende a importância de metodologias colaborativas, como o Design Thinking, para compreender profundamente as raízes emocionais, culturais e comportamentais que alimentam esse ciclo. A seguir, Ivânia compartilha reflexões e propostas para que possamos, coletivamente, construir um futuro mais seguro para todas as mulheres.
Como surgiu a ideia de utilizar a tecnologia como forma de combate à violência contra mulheres?
O feminicídio é uma das expressões mais extremas da violência de gênero, refletindo não apenas questões sociais e culturais, mas também falhas estruturais na proteção das mulheres. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2023, mais de 1.400 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, representando um aumento em relação aos anos anteriores. No mundo, a ONU Mulheres estima que cerca de 45% dos homicídios femininos sejam cometidos por parceiros íntimos ou familiares, evidenciando a urgência de políticas eficazes de prevenção e enfrentamento.
Diante desse cenário, a inovação e a tecnologia emergem como ferramentas estratégicas para transformar a resposta ao feminicídio. Soluções baseadas em inteligência artificial, análise preditiva de dados e plataformas digitais já estão sendo utilizadas para monitoramento de casos, proteção de vítimas e aprimoramento da atuação das forças de monitoramento de casos, proteção de vítimas e aprimoramento da atuação das forças de segurança. Além disso, aplicativos de denúncia anônima, bots para atendimento imediato e sistemas integrados de gestão de risco têm possibilitado maior eficiência nas ações preven-tivas e de acolhimento.
Quais são os motivos do aumento da violência contra a mulher?
Vivemos hoje uma verdadeira epidemia de violência contra a mulher, evidenciada por números alarmantes que exigem respostas urgentes do poder público. Apesar dos avanços tecnológicos e das inovações na segurança pública, que muitas vezes são celebrados por líderes gover-namentais, ainda é constrangedor perceber que os índices de feminicídio continuam elevados. Uma das questões levantadas por especialistas é que o avanço social das mulheres, que cada vez mais ocupam espaços de liderança e independência econômica, nem sempre é acompanhado por uma evolução no comportamento masculino. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), fatores como masculinidade tóxica, dificuldades emocionais e transtornos mentais não tratados contribuem significativamente para o aumento da violência de gênero.
Estudos do Instituto Avon (2021) revelam que 74% dos homens brasileiros não buscam apoio psicológico, o que agrava questões emocionais e pode estar ligado ao comportamento agressivo em relações interpessoais. Especialistas apontam que a falta de suporte à saúde mental masculina e a ausência de políticas de reeducação comportamental podem ser fatores determinantes para o crescimento da violência contra mulheres.
Como a tecnologia e a inovação podem nos apoiar nesse cenário?
Primeiramente, é essencial destacar modelos de cocriação, como Design Thinking e Design Sprint, que enfatizam a importância de explorar os reais problemas antes de propor soluções. Essas metodologias permitem que políticas públicas e projetos sociais sejam construídos de forma colaborativa, considerando as necessidades de vítimas, agressores e do sistema de suporte, ao invés de apenas reforçar ações punitivas.
Embora estratégias de contingência, como a prisão de agressores, tenham ganhado força nos últimos anos, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2023) revelam que a maioria dos homens que cometem feminicídio não possuía antecedentes criminais, o que indica que a violência letal contra mulheres não está restrita apenas a perfis de criminosos reincidentes, mas sim a uma cultura enraizada de dominação e controle. Além disso, um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022) destaca que transtornos mentais não tratados, alcoolismo e crenças patriarcais rígidas são fatores que contribuem diretamente para a violência doméstica.
Portanto, antes de desenvolver projetos de lei ou ações sociais voltadas para essa problemática, é fundamental aplicar modelos de cocriação para compreender as reais necessidades do homem, da mulher e dos filhos envolvidos nesse ciclo. Um exemplo prático disso é o modelo do ciclo da violência doméstica, desenvolvido pela psicóloga Lenore Walker (1979), que explica como a dependência emocional das vítimas as mantém em um padrão de abuso contínuo, alternando entre tensão, agressão e reconciliação.
Mudar essa realidade com apoio de tecnologia, será possível?
Sim, confira através de quais variáveis pode-se criar uma nova realidade:
- Uso da tecnologia para monitoramento e prevenção: Aplicativos de denúncia sigilosa, inteligência artificial para prever padrões de risco e sistemas de alerta antecipado para mulheres sob medida protetiva podem salvar vidas.
- Educação e sensibilização digital: Plataformas de aprendizado online para reeducação de homens agressores e apoio psicológico para vítimas podem ajudar na quebra do ciclo de violência.
- Aprimoramento da legislação baseada em dados: Utilizar Big Data para mapear padrões de feminicídio e embasar políticas públicas mais eficazes.
- Atendimento psicológico acessível: Ampliar o suporte de saúde mental, especialmente para homens com histórico de violência ou dificuldades emocionais.
Os avanços no enfrentamento da violência contra a mulher são evidentes, mas ainda há um longo caminho a percorrer. É fundamental reconhecer que esse tipo de violência não afeta apenas as vítimas diretas, mas tem repercussões em toda a sociedade. Por isso, a união de esforços é indispensável para transformar essa realidade. As políticas públicas desempenham um papel essencial nesse processo, mas seu impacto é potencializado quando há o engajamento de toda a sociedade. A inovação, aliada ao uso de tecnologias e à busca por soluções viáveis, é um fator determinante para aprimorar as estratégias de enfrentamento e criar ambientes mais seguros e justos para todas as pessoas.
A inovação e a tecnologia não são apenas ferramentas de resposta à violência, mas instrumentos de transformação estrutural da sociedade. Somente com estra-tégias multidisciplinares e um olhar atento às raízes culturais e psicológicas do problema, será possível reduzir os números alarmantes de feminicídio e garantir um futuro mais seguro para todas as mulheres.
A psicóloga Lundy Bancroft (2002), referência em comportamento abusivo, explica que agressores, frequentemente , não se consideram violentos, mas sim, "disciplinadores" ou "corretivos" em relação às suas parceiras. Essa mentalidade, muitas vezes reforçada socialmente, torna ainda mais difícil a prevenção da violência.
Ivânia Ramos - Consultora de Negócios @ivania_ramoss